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Uma condição fundamental para garantir o direito humano à alimentação saudável e adequada é o acesso permanente e regular de todas as pessoas a alimentos que atendam às suas necessidades nutricionais. O alto custo e a baixa oferta de produtos sustentáveis em locais próximos às moradias de grande parte da população brasileira são algumas das principais dificuldades encontradas ao consumo desses alimentos.
O peso dos gastos com alimentação na renda mensal da população pobre foi tema de estudo da nutricionista Camila Borges, doutoranda em Nutrição em Saúde Pública pela Universidade de São Paulo (USP). Em análise sobre dados da Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), realizada em 2008/2009, observou que 23,3% dos brasileiros com renda mensal de até meio salário mínimo e 27,2% daqueles com renda de meio a um salário mínimo não teriam condições de seguir as recomendações de consumo da primeira edição do Guia Alimentar para a População Brasileira (2006), produzido pelo Ministério da Saúde.
O objetivo da primeira versão do Guia Alimentar foi apresentar algumas diretrizes alimentares para a população, buscando atender às orientações da Política Nacional de Alimentação e Nutrição e da Política Nacional de Promoção da Saúde. Mas depois de passar por uma consulta pública de vários setores da sociedade, o texto sofreu ampla revisão, que gerou a segunda edição do Guia, lançada em 2014.
O novo documento reconhece que o custo dos alimentos é um obstáculo a ser superado para a alimentação saudável no país e que adotá-la não depende apenas de uma escolha individual: “Muitos fatores – de natureza física, econômica, política, cultural ou social – podem influenciar positiva ou negativamente a alimentação das pessoas. Por exemplo, morar em bairros ou territórios onde há feiras e mercados que comercializam frutas, verduras e legumes com boa qualidade torna mais factível a adoção de padrões saudáveis de alimentação."
De acordo com o Guia Alimentar de 2014, outros fatores que podem dificultar a adoção desses padrões são a necessidade de fazer refeições em locais onde não são oferecidas opções saudáveis de alimentação e a exposição intensa à publicidade de alimentos não saudáveis. Diante dessas limitações, busca apontar alternativas acessíveis à população. Dentre as recomendações, estão: o consumo de alimentos in natura (não industrializados) ou minimamente processados, em grande variedade e predominantemente de origem vegetal; o respeito à cultura alimentar de cada região do país; e o atendimento aos princípios de variedade, equilíbrio, moderação e prazer.
Ultraprocessados: nem sempre mais baratos
O Guia Alimentar reforça a orientação de evitar o consumo de alimentos ultraprocessados – como biscoitos recheados, salgadinhos, refrigerantes e macarrão instantâneo –, por serem desbalanceados em termos nutricionais. A nutricionista Camila Borges acrescenta: “Alimentos ultraprocessados não são necessariamente baratos e têm sido consumidos cada vez em maior quantidade pelas famílias brasileiras, em todas as classes de renda. Se as quantidades destes alimentos aumentam, os custos da dieta também sobem e podemos chegar ao caso de outros países, como o Canadá, por exemplo, onde já dominam a alimentação, tornando os alimentos in natura mais escassos e caros.”
Para Camila Borges, as mudanças de comportamento entre 2008 (quando foi realizada a POF/IBGE) e 2015 podem refletir nos gastos atuais da população com alimentação. O próximo passo da pesquisadora será fazer uma avaliação de gastos e do comprometimento da renda dos brasileiros com base nas diretrizes apresentadas no Guia alimentar de 2014.
Outro tema de estudo considerado por Camila Borges são os custos da alimentação fora de casa. Ela cita os dados da POF/IBGE 2008/2009, que já mostravam o aumento, em relação aos anos anteriores, dos gastos com a alimentação fora de casa: de 25,7% para 33,1%, na população urbana; e de 13,1% para 17,5%, na população rural.
A nutricionista Ana Lucia Fittipaldi, do Centro de Saúde Escola Germano Sinval Faria da Fiocruz, chama atenção também para o impacto do alto consumo de alimentos processados em todo o mundo. Segundo ela, muitas dessas substâncias alimentícias contêm aditivos químicos pouco conhecidos pela população, em geral.
A publicidade teria um papel importante no estímulo da troca dos alimentos não processados pelos industrializados. “Às vezes a pessoa come uma barra de cereal pensando que seria um alimento nutritivo, rico em fibras, mas o principal ingrediente usado é o açúcar e há pouca quantidade de fibras. Se ela substituísse a barrinha por uma banana teria de fato uma fonte de fibras”, diz Ana Fittipaldi.
Alternativas possíveis
Preocupadas com os preços dos produtos chamados naturais, muitas pessoas evitam as prateleiras dos supermercados onde eles estão organizados. Mas para ter uma alimentação saudável não é obrigatório que se coma apenas pães integrais e outros itens mais caros.
Uma alternativa encontrada por nutricionistas que trabalham com populações de baixa renda, como Ana Fittipaldi, tem sido a realização de oficinas culinárias, nas quais são apresentadas sugestões de aproveitamento integral dos alimentos e receitas de pratos nutritivos. As atividades buscam estimular a retomada do hábito de cozinhar ou preparar suas próprias refeições.
Segundo Ana Fittipaldi, um grande desafio é a criação do hábito de comer de forma saudável quando as crianças, desde cedo, são habituadas a alimentos com muito sal, temperos fortes e açúcar”, diz Ana Fittipaldi. Um dos problemas identificados por ela é a oferta de substâncias alimentares ultraprocessadas (como refrigerantes, biscoitos, gelatinas ou sucos em pó) a bebês com menos de um ano de idade. Além de comprometer a nutrição dessas crianças, são aumentadas as chances de alergias alimentares.
Em relação aos adolescentes, a nutricionista observa que é comum a prática de não tomar café da manhã e a primeira refeição do dia ser o almoço (na escola ou em casa). Como exemplos de iniciativas que podem contribuir para a melhoria da nutrição, cita a proibição da venda de produtos industrializados em cantinas de escolas públicas, no Rio de Janeiro, associada ao fornecimento de alimentação balanceada; e a recente lei sancionada em São Paulo que obriga a inclusão de alimentos orgânicos ou de base agroecológica na merenda de alunos da rede municipal de ensino.
O estímulo à agricultura familiar e a regulação da publicidade são outras estratégias para garantir a segurança alimentar e nutricional a famílias pobres no Brasil.
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